Acordou e pensou que não deveria ter acordado. Pensou sobre o que faria agora. Foi então que percebeu: Não sabia. Não sabia como continuar. Mas precisava. E como tudo na vida, isso também se aprende. As coisas acontecem e, ainda assim, o mundo continua girando, o sol continua nascendo e se pondo, o Galvão Bueno continua incessantemente nos irritando e assim a vida segue. Tomou um banho quente, longo, ou seja, relaxante. Sua definição de relaxante era essa, uma banho demorado e bem quente, daqueles que deixam o banheiro parecendo uma sauna. Estava precisando daquilo, e lhe fez muito bem. Fez um café e, enquanto o tomava, leu o jornal. Só desgraça. É impressionante como só acontece desgraça nesse mundo. Alguém morre de forma suspeita, um tiroteio acontece, um país invade o outro, acontece um terremoto ali, uma enchente acolá e, bem... Assim a vida segue.
Saiu. Não tinha condições de ficar em casa, sem pensar em nada. Precisava se distrair. Foi ouvindo música, andando devagar, vendo todos os rostos, suas expressões e variações. Imaginou se tinha mais alguém fazendo exatamente a mesma coisa e, fosse esse o caso, com estaria sendo visto. Como será que as pessoas estariam vendo seu rosto, sua expressão, seus sentimentos? Será que percebiam o vazio, a neutralidade, a falta do que sentir? Provavelmente não. Tudo é muito corrido, para ontem. As pessoas não podem se dar ao luxo de tirar um tempo para si e perder tempo prestando atenção no outros. É desperdício. Em tempos de aquecimento global e tudo-tem-que-ser-reciclado, desperdiçar qualquer coisa é um absurdo extremamente condenável por todos.
Pensou em voltar para casa. Não. Ainda não estava suficientemente “não pensando em nada”. Precisava de mais tempo consigo mesmo, embora nunca tivesse se sentido tão cercado de gente como naquele momento. E era bom, se sentia bem. Definitivamente precisava fazer isso mais vezes. Subiu ruas, desceu avenidas, andou por vielas, becos, travessas. Quando deu por si, estava na porta de casa. Estava entardecendo. Talvez fosse um sinal de que estava na hora de voltar e encarar a realidade. Ligou o piloto automático e provavelmente seu inconsciente o dirigiu para o lugar que precisava ir: Casa. Lar doce lar. Seria mesmo tão doce?
Saiu do elevador, tirou os fones de ouvido, abriu a porta, e foi recebido pelo cachorro fazendo festa. Pensou em comprar um papagaio ou quem sabe um peixinho dourado. Sentou-se no sofá e ligou a TV. Enquanto zapeava pelos canais olhou o cachorro se coçando, o sol terminando de se pôr, a vizinha do bloco de trás com a geladeira aberta escolhendo o que comer e pensou: É... Assim a vida segue.